Victor Mazzei, Publicitário, Professor e Consultor de Treinamentos Corporativos
06:30 h. Ligo o rádio do carro. Uma jornalista conversa com um entrevistado sobre a Reforma da Previdência. Em meio a termos como “contribuição”, “expectativa de vida”, “rombo”, eis que a repórter solta a pérola diante da possibilidade de ter de trabalhar mais anos que o previsto: “Coitado de quem trabalha com algo que não é feliz…”
É por aí mesmo. Fico pensando em como deve ser difícil encarar a rotina, todo dia, durante décadas, de entregar a sua mente e força mais vital a uma ocupação que não traga qualquer tipo de recompensa ou desenvolvimento pessoal. Acordar cedo, deixar para trás família e sonhos, exclusivamente, com o intuito de ter de fazer renda para pagar contas é um fardo pesado demais. E com o qual a maioria da população tende a viver com ele.
Felizmente, muitos têm se rebelado contra esse cenário de imobilidade e melancolia, indo em busca de alternativas para combater o comodismo profissional. Mihaly Csikszentmihalyi, estudioso das relações entre negócios e felicidade, nos convida a iniciar uma jornada que permita identificar nossos talentos e aplicá-los naquilo que nos promova algum tipo de bem-estar pessoal. Ele nomeia de FLOW (fluir) essa experiência que parece revelar um propósito maior em nós do que, meramente, receber um retorno financeiro. A complexidade de uma tarefa e o aprendizado advindo dela, bem como os benefícios de âmbito pessoal e social, costumam ser os maiores estímulos/desafios de quem se coloca na condição de flow.
Ok, mas quais são as condições para identificar os contextos que me colocam em flow? Csikszentmihalyi nos apresenta algumas pistas:
1) As metas são claras: se o objetivo de uma tarefa é bem definido desde o início fica mais fácil tecer uma estratégia para alcançá-lo. Ao contrário, quando o fazer (como dever) é mais importante do que o propósito e a finalidade, a execução acaba por ficar sem sentido, o que gera desperdício de energia e desencanto na ação.
2) O feedback é imediato: você se dedica horas a fio na execução de um trabalho. Após a entrega, você aguarda algum retorno que avalie o seu desempenho. Porém, nada acontece e paira uma sensação de que o projeto foi engavetado sem maiores explicações. Pior do que ter um trabalho rejeitado é tê-lo ignorado. Receber um parecer baseado em critérios técnicos garante o aprimoramento e qualificação da equipe.
3) A concentração se aprofunda: algumas atividades nos envolvem tão intensamente, em um misto de aprendizado, diversão e desafio, que por horas perdemos a noção de tempo e espaço. É como estivéssemos dentro de um jogo com regras bem conhecidas, onde nos movimentamos espontaneamente, explorando cada possibilidade, guiados por um nível de concentração profundo e prazeroso.
4) O que importa é o presente: quando entramos em um estado de flow, a tarefa em questão, automaticamente, desliga-nos dos problemas da vida rotineira, como contas a pagar, trânsito congestionado e, acredite, até fome. Quando entramos nesse estágio, a atenção se direciona totalmente no presente, àquilo que se faz, inclusive, sem preocupação em acelerar o término do projeto. O que vale é o momento.
5) A perda do ego: a atividade criativa, muitas vezes, é associada a questões de vaidade, de reconhecimento a qualquer custo, de originalidade. No entanto, muitos relatos dão conta de que durante a experiência do flow, o sujeito perde a consciência de sua individualidade. Temporariamente, deixa-se de lado o nome e o posto que ocupa no afã de usar os talentos em algo que transcenda o ego. Csikszentmihalyi ressalta que embora a identidade seja suspensa momentaneamente, ao fim do flow, o criativo desfruta de uma alta sensação de auto-estima, como consequência de abraçar uma performance que o instiga a evoluir.
Temos observado, sobretudo entre os mais jovens, uma movimentação mais recorrente em busca de ocupações e profissões que oportunizem condições para aplicar suas habilidades naquilo que acreditam. Dentre as instituições de ensino superior, é cada vez mais natural trocarem de cursos à medida que conhecem novas áreas (ou até mesmo pelo desencanto com aquilo que pensavam acerca de uma profissão). Será que, no fundo, não estão à procura de um campo que revele um flow para chamar de seu?
Não é à toa que profissões como tatuador, fotógrafo de eventos, personal stylist, personal training, doula, por exemplo, começam a ser vislumbradas como possibilidades reais. Muitos têm se destacado nessas áreas, servindo, inclusive, de inspiração para que novos profissionais aspirem a uma carreira alternativa.
Em face de uma expectativa de vida maior da geração atual e, a provável, reforma da previdência, torna-se urgente nos empenharmos para encontrar uma atividade que nos encante todo dia, mesmo quando encaramos os eventuais momentos de estresse e desânimo. Para atingir o flow, é necessário esforço e estudo, até mesmo para se defender da pressão que a família exerce para seguirmos uma “carreira mais estável” e segura. É comum ainda ouvirmos coisas como: “esse negócio de felicidade no trabalho é papo furado e não paga conta”.
O caminho não é fácil, sabemos. Mas, uma vez que suas aptidões sejam descobertas e, posteriormente, colocadas em algo que faça sentido para você, as coisas se descomplicam. Por fim, ficam os meus votos para que a vontade de encontrar a sua felicidade profissional entre em contato pleno com o flow. E que nunca passe pela sua cabeça o desejo de aposentar o potencial criativo.
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